terça-feira, 5 de agosto de 2014

Arte, cinema e epifania

Epifania. Do latim: epipháneia; intuição manifestada a partir de algo inesperado; revelação.
De onde vem o conhecimento? Quanto mais simples a pergunta, mas nos perturbamos em responder de maneira segura. A discussão entre a preponderância do sujeito ou do objeto no processo de aquisição de novos saberes percorre a raça humana desde que nossos companheiros de jornada se encontravam na ágora ateniense para travar seus embates filosóficos. Claro que a síntese óbvia seria a defesa da interação entre as duas partes, o que nos levaria a uma segunda conclusão: o entendimento humano varia de uma pessoa para outra devido as diferenças intelectuais e contextuais. Mas o que exatamente acontece quando aprendemos algo de valor para nós? Como podemos descrever essa sensação imersos numa miríade de novas informações nos bombardeando a todo instante? E quais os critérios para a definição de algo relevante?
Partindo do princícpio de que valorizo aquilo que minha inteligência sensível me aproxima, digo que gosto daquilo que me deixa satisfeito. No entanto, a simples sensação de saciedade dos instintos não seria suficiente para nos tornar humanos, no sentido evolutivo do termo. Sabemos que a nossa mente nos condiciona a necessidade de aprender, e aprendendo nos tornamos mais aptos ao entendimento de nós mesmos. E como coletivamente, a humanidade reproduz esses estágios de evolução cognitiva?
Arte. Capacidade criadora do ser humano; representação concreta do real.
Aprendemos, evoluimos e registramos o processo. Para quê? Por quê? Pode-se inferir a ideia de que fazemos isso para nos regogizarmos dos nossos feitos, ou para deixar impresso na história a nossa passagem, fotografando um momento na temporalidade abstraída de seu sentido mais efêmero. Talvez seja isso tudo, mas… certamente o fazemos para pontuar uma necessária reflexão em torno do fazer, do pensar, do viver, do estar presente, e como num ciclo interminável, aprendermos a entender o que estamos fazendo. Quando vemos uma obra de arte, vemos também o que sentimos, como num mergulho por nossa incosciência planejada (por outros, talvez). E a sensação de descoberta não está atrelada necessariamente a um mapa de seu percurso, porque talvez não exista um exatamente. Quem sabe não estamos vendo a nós mesmos, mais do que tudo?
Cinema. Arte e técnica de fazer filmes; representação estética do real ou da imaginação.
Sempre vi um filme como uma espécie de síntese das outras artes, pois imagem, som e texto se misturam numa sala de projeção. Mas o cinema não é só essa mistura. Um filme, enquanto aparência de similaridade com o mundo real, é a arte mais distante disso, justamente porque nos aprisiona nessa aparente reprodução do mundo sensível. E, enquanto dominados nesse instante de simulacro, a vida nos é re-editada por novas percepções, enquadrando-nos na imagem que atentamente conduz o espectador a testar seus valores. Aprendemos enquanto assistimos a um filme, claro, mas também ensinamos a nós mesmos a diferença elementar entre a mentira e a ficção. Inventamos para nos dizer a verdade. Ou pelo menos fazer pensar sobre ela.
Aprendi muito assistindo a filmes. Acho que não poderia citar aqui todos aqueles que me provocaram a sensação de ter valido a pena dedicar parte do meu tempo a assisti-los, e a debate-los com amigos, pessoas que navegam juntos comigo nessa paixão pela arte cinematográfica. Então, faço aqui uma singela homenagem a algumas cenas que me marcaram profundamente. Aquelas cenas que nunca me saíram da mente, que voltei várias vezes a fita para rever, que revejo a cada instante que quero voltar a sentir aquela epifania.
Algumas cenas tem realmente esse poder, mas obviamente, talvez me diga algo que outras pessoas não sintam, talvez sintam por outros filmes, outras imagens. Isso é algo realmente pessoal. O que posso dizer, resumidamente, é que aprendi algo de valor com elas, e devo isso a seus realizadores, e ao cinema de uma maneira geral.
3 homens cena do cemitério
Três homens em conflito: esse é o clímax!!! Aquela cena para a qual o espectador é puxado desde o começo do filme e aí... você respira junto com os atores. Sergio Leone, muito obrigado!
tempos modernos
Tempos modernos: onde termina a máquina e começa o homem?
155-Um Sonho de Liberdade
Um sonho do liberdade: Red ouve Andy dizer que a vida se resume em duas coisas. Claro, não vou tirar a graça de quem não assistiu, mas uma coisa é certa, minha vida se divide em antes e depois de ver essa cena.
2001
2001 Uma odisseia no espaço: milhares de anos da história humana resumidos em uma cena. Quer mais? Corte perfeito.
Amadeus
Amadeus: o que falar aqui? Filme da minha vida. Amo todas as cenas, mas a atuação de F Murray Abraham é uma aula!!!
caçadores da arca perdida
Os caçadores da arca perdida: e aí Dr. Jones? Vamos destruir a História? Uma cena que deixa claro a reverência que nós temos pelo nosso passado, como algo que nos identifica com nós mesmos, enquanto humanidade, mesmo para quem nunca percebeu isso. Aqui foi o meu despertar nesse sentido. História e cinema, duas paixões.
cinema paradiso
Cinema Paradiso. Você gosta de cinema, é sensível? Melhor, você gosta muito de cinema e é muito sensível? Respire fundo antes dessa cena.
de volta para o futuro
De volta para o futuro: obra-prima travestida de sessão da tarde. Filme genial, cada vez que assisto novamente, detenho-me a observar detalhes que não havia percebido. Essa cena em particular? Rock and Roll, é claro!
morte de Elias
Platoon: a cena da morte de Elias. É assim que a gente fala. Foi um filme que eu precisa assistir na adolescência. Oliver Stone historiador é o nome de um artigo de Robert Rosenstone. Eu sei bem o que isso significa.
o piano cena da praia
O piano: beleza que só o cinema, síntese de todas as artes é capaz de proporcionar: imagem e som... e garganta apertada. POESIA!
Pietá ao contrário central do brasil
Central do Brasil: Pietà ao contrário. Quem cuida de quem? Amor que se forma e que se estende ao espectador. Sublime, inacreditavelmente sublime.
planeta dos macacos
Planeta dos Macacos: fomos sós? É a terra? Não!!! Todos nós dizemos isso juntos com Charlton Heston.
Spartacus
Spartacus: aos 7 anos, madrugada de cinema especial da Rede Globo, aprendi três coisas: amar o cinema, a história e Stanley Kubrick.
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O show de Truman: o céu é o limite!!! Mil reflexões por segundo. conclusão: ainda pensando à respeito. É por isso que arte é tão necessária.
E as cenas que o leitor prefere? Gostaria de debatê-las aqui no blog. Até a próxima, onde vou fazer a indicação de algumas leituras que ando fazendo sobre o cinema. Até lá!!!




































3 comentários:

  1. Josemar, quantas cenas emocionantes nós já contemplamos juntos? Não me esqueço da primeira vez que fui a sua casa e assisti ao primeiro filme no Cine Chaplin. Lembro que você me perguntou se eu já tinha tomado chá gelado. Eu respondi (meio atônito) que não! Então, depois chega Sandra, sua esposa, com uma bandeja cheia de copos com o drink. Adorei a novidade! A partir desse dia o chá passou a acompanhar rigorosamente as sessões. Até que certo dia eu resolvi brincar, e disse: “esse é o famoso chá com cinema”. A coisa pegou como chiclete! Desse dia para cá as sessões são denominadas assim: chá com cinema! O primeiro filme que tive o privilégio de ver foi Germinal (1993), uma história ambientada no século XIX, que retrata o aparecimento e amadurecimento de movimentos grevistas de grupos de trabalhadores de algumas minas de carvão na França. A partir daquele momento também geminava, abrolhava, nascia algo em mim. Talvez o desejo de gostar mais de cinema, a vontade de amar ainda mais a vida, as pessoas. Pois é, o cinema e a vida são realmente elementos indicotomizáveis!

    Poderia me estender e arrolar uma série de cenas que me marcaram e continuam a marcar – pois sabemos que o cinema tem esse poder de nos tocar perenemente -, mas prometo ser breve.

    Sou apaixonado pelo cinema brasileiro, isso não escondo de ninguém! Vou eleger duas películas: Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos (adaptado do clássico de Graciliano Ramos); e Cinema, Aspirina e Urubus, do pernambucano Marcelo Gomes.

    Vidas Secas (1963)

    Panorama que instantaneamente associamos ao Sertão Nordestino. Cenário de pura agonia. Mais alguns passos e a constatação de que ali só haverá deleite e fartura para os urubus. Sobrou para o papagaio que, segundo Sinhá Vitória: “nem sabia falar”. Depois de anestesiar a fome, é hora de seguir. A esperança de um prato novo surgia à medida que baleia saia desesperada mata adentro a procura de alguma caça, Fabiano olhava atônito; mais uma investida fracassada da cachorra e o semblante sem vida da família de retirantes jaziam no rosto. Vidas, destinos, veredas secas! Tanto Vidas Secas de Graciliano, quanto Vidas Secas de Nelson são fantásticos, o que ocorreu, na verdade, foi uma fascinante transposição de ideias, ou melhor, um diálogo reflexivo entre genialidades.

    Cinema, Aspirinas e Urubus (2005)

    A trama se desenvolve, basicamente, em torno de dois personagens, Johann, alemão refugiado da Alemanha nazista, e Ranulpho, sertanejo que vive se lamentado da vida que leva e do lugar onde mora. Dois homens de realidades diferentes, mas com o mesmo objetivo: procurar a felicidade.
    Apesar do cenário, o sertão nordestino, é muito mais um filme reflexivo. A tela esbranquiçada, lentamente vai ganhando tons coloridos, e a primeira visão que temos, ainda turva, é o rosto concentrado de Johann pilotando seu carro que rompe lentamente o calor do sertão. O alemão Johann, de certo, tinha certeza que o local aonde chegara, era melhor que a Alemanha de onde vinha, pois nesse contexto histórico, agosto de 1942, estava chovendo bombas. Uma breve parada para “tirar a água do joelho” e uma espiadela mais apurada do cenário onde se encontrara: o sertão nordestino. O momento do encontro entre os dois é emocionante. Tudo principia com uma carona. Ao entrar no caminhão, Ranulpho olha detalhadamente os assessórios no interior do veículo. E logo começa o diálogo: “Moço vem de onde, hein”? Pergunta Ranulpho. Johann responde dizendo que veio da Alemanha. A viagem do andarilho alemão começou há três meses no Rio de Janeiro. “Eu vou para onde o moço veio”, diz Ranulpho. E ainda Ranulpho profere: “Cansei dessa vida, cansei desse lugar aqui, desse buraco”, completou o sertanejo. Quem aí quer reflexão melhor sobre a/s vida/s? Sobre a capacidade inexaurível que a vida tem de engendra situações inéditas?

    Felicitações! Que o ano vindouro seja recheado de muita saúde e realizações positivas e, é óbvio, muito chá com cinema!!!

    Abraço cinematográfico a todos!!!

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  2. Valdir, foram momentos realmente prazerosos! Espero que o futuro nos reserve a oportunidade de estarmos novamente juntos nessa aventura em busca de um cinema que não pode simplesmente ficar perdido no tempo. E quando estivermos reunidos novamente nossas esposas, filhos e e novos amigos estarão juntos conosco nessa viagem.

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  3. Sem dúvida, Josemar! Quando você menos esperar aparecerei por aí. Vai ser ainda mais emocionante poder compartilhar esses momentos em família. Se a arte é uma das provas mais belas de expressão da vida e da nossa existência, acredito que nos cabe preservar e enaltecer essa expressão viva da vida!

    Abraço!

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